· Documentário, imagem que dura
O gesto de passar a câmera – para o que antes era mero alvo filmado - aparece então para mim, no decorrer desta disciplina como indicativo de um marco histórico para o homem contemporâneo em relação à alteridade e a sua relação com a imagem. Usando também este recurso, Corumbiara nos expoe à gestos de diferentes naturezas dentro da linguagem audiovisual, os quais se interpelam, se entrelaçam e dão uma enorme potência política, estética e esteticamente política ao produto final. O dispositivo cinematográfico consegue amalgamar esta multiplicidade.
Duração do documentário dentro da “realidade”
Lembramos então que o filme contém imagens capturadas em uma fatia de tempo de 20 anos. Os diálogos de Vincent com seu amigo indianista Marcelo Santos na sala do que pareceu ser sua casa, articulam a história que viveram durante estes 20 anos com os acontecimentos envolventes ao povo da região, os índios recém descobertos, a mídia nacional (rede Globo principalmente) e a população brasileira. Durante todo o filme, sentimos uma bela articulação de contrastes visuais com a mudança das imagens, mas os contrastes que mobilizam o espectador são devido à mudança desses registros, ora jornalismo ficcional, ora depoimento sincero, ora imagem-documento, etc. A mudança no registro, com diferente natureza, endereçamento, abrangência, aspecto causam choques, deslocamentos no espectador que sai de um universo e entra em outro, abrangendo o assunto em diversas maneiras que se manifestou.
Portanto, a montagem final do filme consegue enlaçar de maneira bem abrangente o mundo filmado. A história relatada e o processo como um todo, são ainda mais credibilizado pelo fato de usar a duração nas imagens individualmente, as quais se apóiam em vários minutos coesos de realidade capturada pela câmera. Mas algoo que cola fortemente o produto de mídia ao mundo, no espaço tempo em que ele convive, é o fato de o documentário durar no decorrer dos acontecimentos.
Os vinte anos, apesar de serem expostos em menos de duas horas, recortados para receberem um sentido lógico de compilamento (sempre ideológico, é claro), trazem uma duração da vida sobre as coisas; são relações duradouras, sofrimentos duradouros, conquistas morosas, anos de desmatamento, anos de resistência, idas e voltas separadas por longos tempos em que a vida foi vivida e reconfigurada constantemente. A duração do produto como um todo se solidifica pelo acúmulo e aí expõe sua potência.
Por fim, Corumbiara também é um instrumento de luta política de Vincent. Conhecendo a trajetória do diretor podemos ver que ele, através do projeto Video nas Aldeias procura um gesto ético na forma de documentar, representar a vida e a existência dos indígenas brasileiros, dando a chance aos próprios indígenas de retratarem seu mundo conforme a visão de mundo de sua cultura. No filme, ao invés de passar câmera aos indígenas, ele segura a câmera e mira para sua própria cultura. Como homem banco que é, percorre com ela acontecimentos inerentes à cultura do branco, ocidental, colonizador e capitalista, muito delicados e devastadores no que tange o “desenvolvimento” industrial, tecnológico, social e a forma com que este bicho hegemônico lida com a alteridade.
Daniel