quarta-feira, 30 de novembro de 2011

2o ensaio - Corumbiara

· Documentário, imagem que dura

O gesto de passar a câmera – para o que antes era mero alvo filmado - aparece então para mim, no decorrer desta disciplina como indicativo de um marco histórico para o homem contemporâneo em relação à alteridade e a sua relação com a imagem. Usando também este recurso, Corumbiara nos expoe à gestos de diferentes naturezas dentro da linguagem audiovisual, os quais se interpelam, se entrelaçam e dão uma enorme potência política, estética e esteticamente política ao produto final. O dispositivo cinematográfico consegue amalgamar esta multiplicidade.

Duração do documentário dentro da “realidade”

Lembramos então que o filme contém imagens capturadas em uma fatia de tempo de 20 anos. Os diálogos de Vincent com seu amigo indianista Marcelo Santos na sala do que pareceu ser sua casa, articulam a história que viveram durante estes 20 anos com os acontecimentos envolventes ao povo da região, os índios recém descobertos, a mídia nacional (rede Globo principalmente) e a população brasileira. Durante todo o filme, sentimos uma bela articulação de contrastes visuais com a mudança das imagens, mas os contrastes que mobilizam o espectador são devido à mudança desses registros, ora jornalismo ficcional, ora depoimento sincero, ora imagem-documento, etc. A mudança no registro, com diferente natureza, endereçamento, abrangência, aspecto causam choques, deslocamentos no espectador que sai de um universo e entra em outro, abrangendo o assunto em diversas maneiras que se manifestou.

Portanto, a montagem final do filme consegue enlaçar de maneira bem abrangente o mundo filmado. A história relatada e o processo como um todo, são ainda mais credibilizado pelo fato de usar a duração nas imagens individualmente, as quais se apóiam em vários minutos coesos de realidade capturada pela câmera. Mas algoo que cola fortemente o produto de mídia ao mundo, no espaço tempo em que ele convive, é o fato de o documentário durar no decorrer dos acontecimentos.

Os vinte anos, apesar de serem expostos em menos de duas horas, recortados para receberem um sentido lógico de compilamento (sempre ideológico, é claro), trazem uma duração da vida sobre as coisas; são relações duradouras, sofrimentos duradouros, conquistas morosas, anos de desmatamento, anos de resistência, idas e voltas separadas por longos tempos em que a vida foi vivida e reconfigurada constantemente. A duração do produto como um todo se solidifica pelo acúmulo e aí expõe sua potência.

Por fim, Corumbiara também é um instrumento de luta política de Vincent. Conhecendo a trajetória do diretor podemos ver que ele, através do projeto Video nas Aldeias procura um gesto ético na forma de documentar, representar a vida e a existência dos indígenas brasileiros, dando a chance aos próprios indígenas de retratarem seu mundo conforme a visão de mundo de sua cultura. No filme, ao invés de passar câmera aos indígenas, ele segura a câmera e mira para sua própria cultura. Como homem banco que é, percorre com ela acontecimentos inerentes à cultura do branco, ocidental, colonizador e capitalista, muito delicados e devastadores no que tange o “desenvolvimento” industrial, tecnológico, social e a forma com que este bicho hegemônico lida com a alteridade.


Daniel

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Segundo ensaio - O prisioneiro da grade de ferro

O prisioneiro da grade de ferro também leva o nome de “auto-retratos”. E são realmente os presos quem desenham suas feições dentro da história. Poucos optam por mencionar os crimes que cometeram, por exemplo. Em frente às câmeras, preferem mostrar a arte que sabem fazer, com caneta bic, pipas, bolas ou na habilidade de produzir cachaça.

O que mais me chamou a atenção no documentário foram as cenas inicial e final. No começo, os homens aparecem apenas com uma placa ao pescoço, com número do prontuário e do pavilhão que residiam. Nenhum nome, nada que de fato os distinga uns dos outros, enquanto seres humanos. Ao fim, no entanto... após terem a oportunidade de se expressarem, manifestarem suas identidades, opiniões, medos, fraquezas, defesas, sonhos... de mostrarem facões e o tráfico de drogas; o rap e o futebol; o culto protestante e o culto ao diabo; a solidão e o sentimento de revolta... as imagens voltam ao fim, tendo sido cortadas as placas, e os homens ganham seus nomes de volta.

O filme se presta a conceder essas identidades de volta. Dar rosto e voz – plurais – ao amontoado de seres humanos que habitava o Carandiru. Com fatores em comum, sim: cometeram crimes e sofriam com o descaso do Estado. Mas com peculiaridades também, vistas por ninguém. Para as autoridades, o presídio não era nada mais que uma dor de cabeça. E que diferença os presos fariam? Se estavam amontoados em cubículos onde não havia espaço nem para que todos se deitassem ao mesmo tempo; se eram deteriorados pelos condições que lhes eram impostas.

Curiosas são algumas das cenas que os presos decidem gravar. Em alguns momentos, o destaque vai para as mazelas, para as falhas na saúde, na alimentação. Mas em outros, o detento, com uma câmera na mão, opta por filmar um gatinho preto que dorme. Ou as luzes da cidade. Ou as curvas das mulheres nos pôsteres. Ou as grades das janelas, que os retêm ali dentro.

A câmera nas mãos deles dá a oportunidade de mostrarem o que até ali era silêncio. A maioria dos detentos conhece artigos, penas, leis, argumentos. Alguns querem se reintegrar à sociedade. Alguns já cumpriram suas penas, como a lei manda, e continuam encarcerados. Eles têm sonhos, saudades, sentem solidão, e por quê não? Arrependimento. Eles têm nome. E graças a Paulo Sacramento, hoje o sabemos.



por Camila Braga

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Instruções para trabalho final


1. O texto deve ser inédito, de caráter ensaístico, sobre o filme SANTIAGO, de João Moreira Salles.

2. O documento deve ter entre 10.000 e 13.000 caracteres (4 a 5 páginas na formatação padrão do Word), incluindo referências bibliográficas e notas.

3. O documento deve ser formatado com a seguinte padronização: fonte Times New Roman ou Arial, corpo 12, espaçamento de 1,5 cm e título em caixa alta e baixa.

4. Os trabalhos devem trazer as seguintes informações, nesta ordem: título, autor, corpo do texto, bibliografia.

5. As notas devem vir no rodapé de cada página, caso não sejam simples referências bibliográficas.

6. As referências bibliográficas das citações devem aparecer no corpo do texto. Ex. (COMOLLI, 2008: 66)

7. Quanto às referências de filmes no corpo do texto, é necessário apresentar título do filme (em itálico), diretor e ano. Ex: Santiago (João Moreira Salles, 2006)

8. Os trabalhos devem ser enviadas em versão eletrônica, arquivo salvo como .doc, .docx ou .rtf (não enviar em pdf para possibilitar correções) para o e-mail kkmaia@gmail.com.

9. O nome do arquivo deve conter o nome do autor do texto.

10. A avaliação irá observar a qualidade textual, o conteúdo analítico e a pontualidade na entrega. O prazo final é 05 de dezembro de 2011.

EM CARTAZ: forumdoc.bh.2011!

forumdoc já começou e amanhã, quinta-feira, 24/11, como combinado, faremos nossa última aula no Cine Humberto Mauro/Palácio das Artes. Às 19h, veremos PRIMATE, de Frederick Wiseman e às 21h, IL QUE SE REPOSENT EN REVOLTE, filme da competitiva internacional. Para quem quiser conferir, a programação completa está no site: www.forumdoc.org.br

Aguardo todos lá!

A primeira misce-èn-scene

Tamira Marinho

Corumbiara, filme que começou a ser realizado para tentar provar o extermínio de índios em uma gleba de Rondônia, é exemplar quanto à delicadeza das espécies de contatos que apresenta.
O contato que mais me impressiona, e emociona , é o ocasionado pelo momento em que a equipe do indigenista Marcelo Santos, acompanhada pelo “fotógrafo documentarista indigenista” Vincent Carelli, encontra na mata pela primeira vez os dois índios isolados Canoê. O impasse da equipe de se aproximar ou não – por um risco que ambos os lados deviam supor daquele encontro - chega a ser poética por conseguir condensar em imagens tantas questões relacionadas à alteridade. Alí se materializa a questão de que a alteridade é da qualidade do inigualável, e muito mais do que aquilo “que não sou eu”, é da ordem do mistério, do imprevisível e inapreensível. Nessa cena percebe-se a distancia instransponível entre um eu e o outro, e emociona, não somente pela raridade da cena que foi filmada, mas pelo seu desfecho: aquelas figuras icônicas do que poderia caracterizar “outrens” decidem conhecer-se, num pacto de confiança e curiosidade.
Essa situação leva a pensar em como se deu a partir daí o que eu chamaria de segundo tipo de contato, o da câmera com os sujeitos filmados. Esse tipo de contato, além de um encontro, é o que determina a produção de uma imagem. Imagem, a qual carrega desde o princípio um ponto de vista, o olhar daquele que filma; ainda que este queira dar espaço para os filmados, fazer deles sujeitos e não somente objetos da filmagem. Filmes como o Corumbiara produziram imagens na inocência dos filmados, de índios isolados, os quais não fazem parte do imaginário comum do saber da câmera, estão fora da preocupação com a imagem e tentativa de adequação da mesma, não têm consciência do que é aquele olhar da câmera para eles. Corumbiara tem aí também seu mérito por ser um registro dessa auto misce-en-scène que, a meu ver, supera em despreparo dos filmados àquelas feitas pelas primeiras imagens em película pelos irmãos Lumiére.
Outro aspecto relevante de Corumbiara é o fato de a obra consiga carregar claramente um ponto de vista desde seu início, mas permanecendo-se aberta ao que o real poderia oferecer .
Ainda que Carelli não tivesse estudado cinema, o filme, pelo seu modo de realização, encaixa-se bem no que Jean-Louis Comolli diz em Sob o risco do real:
o documentário não tem outra escolha a não ser se realizar sob o risco do real. O imperativo do ‘como filmar’, central no trabalho do cineasta, coloca-se como a mais violenta necessidade: não mais como fazer o filme, mas como fazer para que haja filme. A prática do cinema documentário não depende, em última análise, nem dos circuitos de financiamento nem das possibilidades de difusão, mas simplesmente da boa vontade – da disponibilidade – de quem ou daquilo que escolhemos para filmar (...). As condições da experiência fazem parte da experiência. (COMOLLI, 2008: 169)

Se a princípio os registros de Corumbiara eram para reunir evidências que levassem a prisão os responsáveis pelo massacre, e foram continuando de cunho investigativo até perceberem que judicialmente não conseguiriam mais que provar a existência dos remanescentes para tentar-lhes uma área protegida, ele acabou concluindo-se como um grande filme, misturando, então, a militância e a arte cinematográfica. Carelli mesmo coloca na sua entrevista feita por Caixeta:
Mas o vídeo tem que ser uma expressão artística, não pode ser um discurso militante, não pode traduzir isso no seu trabalho. Acho inclusive que a capacidade desses filmes, desse produto de ‘intervir’ na realidade, enfim, interessar, emocionar, seduzir o público, trazer uma coisa a mais, isso tem que ser uma expressão artística. (...) O fato de ter uma obra poética ou artística sobre os índios no mercado ou a disposição para as pessoas verem é um ato militante, é uma produção militante nesse sentido e não no do conteúdo ou da narrativa do filme (CARELLI, 2009: 157 – catálogo forumdoc2009).

Referências bibliográficas
CAIXETA, Ruben. Cineastas indígenas e pensamento selvagem. Devires – Cinema e Humanidades, v.5. n. 2, jul/dez 2008.
CARELLI, Vincent. 2009 – catálogo forumdoc2009
Sob o risco do real. In: COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder - A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

domingo, 20 de novembro de 2011

Tatakox: a magia do real

Morte. Experiência última do indivíduo – indizível. Tudo o que se sabe da morte resume-se ao silêncio enigmático com que ela confronta a vida. E como suportá-la? Vivendo-a, nos mostra Tatakox – filme do índio Isael Maxakali, de 2007, sobre um misterioso ritual de iniciação masculina típico da etnia Maxakali.

O suspiro último poderia ser entendido como desligamento, ponto final das relações. No entanto, o ritual tatakox descortina a potência vital que existe na morte – a passagem para o mundo dos espíritos evidencia os elos que possibilitam a existência. Esse ritual mágico foi filmado por Isael com riqueza de detalhes, mas nenhuma tradução. Aos espectadores é oferecida parte naquele transe através de longos planos que acompanham as falas e os movimentos dos corpos daqueles índios sem explicá-los ou apressá-los.

Em torno do que parece ser um barranco, os homens Maxakali se reunem esboçando alguma euforia. Há algo ali. Um índio já velho que aparenta ser um líder começa a dizer que tatakox está ali e que é preciso buscá-lo. Com dificuldade, os homens começam a cavar um buraco com as próprias mãos. Existe uma motivação comum que reúne todos no empenho de cavar – algo entre o salvamento e o reencontro. Ao som de flauta, o êxtase vai tomando conta daqueles sujeitos à medida que a entrada do buraco cresce e que algo de especial parece se tornar próximo. O velho líder dá ordens todo o tempo e anuncia o poder de Tatakox. Após grande esforço em remover a terra, dois corpos aparentemente infantis cobertos por tintura e penugem branca são retirados cuidadosamente da escuridão do buraco e carregados festivamente. Os pequenos corpos estão imóveis e não é possivél percebe-lhes o rosto, pois suas cabeças estão envolvidas por um tecido. Não se sabe se estão vivos ou mortos, mas fica claro que seu resgate é motivo de toda a auforia e êxtase daqueles índios. O som da flauta persiste.

Carregando os corpos, o grupo de Maxakalis toma o caminho da aldeia onde índias trajando coloridos vestidos estão respeitosamente à sua espera. Quando aos braços das mulheres são oferecidos os meninos mortos-vivos um surto se instaura e todas começam a chorar desesperadamente. De braço em braço os corpos inertes são caregados por mulheres em prantos até que os homens se reunem novamente e escolhem dois meninos para acompanhá-los em direçãoa uma casa. As explicações do velho líder indicam que o grupo masculino irá para a casa da religião – mas não se sabe mais do que isso. O pátio da aldeia vai se esvaziando aos poucos. O filme se encerra com a imagem da casa da religião, de onde os espíritos seguem para a mata.

Esse entrelaçamente entre o transe e o real, o mítico e o corpóreo, é o que torna Tatakox um filme comprometido com a alteridade que se propõe filmar. Isael Maxakali capturou imagens, falas e gestos que permitiram que os Maxakali se mostrassem por si mesmos – especialmente por meio daquilo que lhes é caro: o convívio permeado pela crença. Ruben Caixeta de Queiroz atesta que Isael realizou as filmagens de Tatakox a partir do próprio ímpeto, sem prévia instrução de monitores e com equipamentos ruins. A falta de recursos, no entanto, não impediram que Isael conseguisse produzir um filme sublime, capaz de evidenciar a alteridade como fruto de uma relação que convoca ao engajamento. O outro de Tatakox não se explica para quem quer que seja, ao contrário, convida o espectador a participar daquele ritual fantástico. Tatakox é um filme que não reduz aquilo que é, de fato, irredutível. Não tenta explicar aquilo que é da ordem do contato e compromete-se com a riqueza daquele real cheio de magia.

Um ritual de iniciação que tem como força a magia de espíritos e mortos-vivos deixa entrever uma forma de vida que dá brechas para fissuras do real de onde escapam seres e sensações invisíveis, mas incrivelmente sensíveis. Tatakox, o filme e o ritual, mostram de forma sublime que a morte é uma delicada evidência de que existimos na mágica relação com o outro.

CAIXETA, Ruben. Cineastas indígenas e pensamento selvagem. Devires – Cinema e Humanidades, v.5. n. 2, jul/dez 2008.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A ética que desconstrói a mise-en-scenè

O documentário “O Prisioneiro da Grade de Ferro – Auto-retratos” (2003), dirigido por Paulo Sacramento, retrata o convívio dentro da Casa de Detenção Professor Flamínio Fávero, o Carandiru. O filme conta com a participação dos próprios detentos que aprenderam como manusear a câmera depois da realização de um workshop que aconteceu dentro da penitenciária.

A penitenciária funciona como uma “mini-sociedade” e tem exemplos do seu cotidiano. Desde os presos que trabalham, freqüentam a academia, participam dos eventos esportivos, como também existe uma forte presença da religião e suas diferentes formas e também a contínua presença do crime, da venda de drogas, o que contrapõe o discurso inicial, no filme e dos responsáveis pela manutenção dos presos e do próprio discurso da existência de uma cadeia: reeducação. O documentário mostra como o sistema carcerário é ineficiente e dificilmente é capaz de recuperar aqueles que estão presos.

Sacramento dá visibilidade ao invisível, considerando que os presos são comumente estereotipados. Além de que a participação dos próprios presos é uma alternativa de tornar o documentário mais “ético”, da mesma maneira que verídico, uma vez que em uma determinada cena o próprio presidiário constrói um “roteiro” do que ele pretendia gravar, e dessa maneira ele também é responsável pelo enquadramento, sem levar em consideração a montagem do filme e as decisões tomadas pelo responsável pela montagem.

A participação dos presos é um elemento importante do filme, porque dessa maneira temos a impressão de que o que nos é transmitido é de realmente verdade, que a partir do momento em que a câmera está dentro da cela, e quem tem o seu domínio é um personagem-diretor, o filme parte para outra “dimensão”, em que toda a verdade, sem alterações se dá ali, sem pré-orientações em relação a discursos e posicionamentos.

Acontece que, como tratado por Jean-Louis Comolli, em um documentário muitas vezes a “mise-en-scène documentária” se faz presente, uma vez que os presos já tem conhecimento sobre o que é ser filmado, sobre a exibição do que é filmado, e dessa maneira representam, ainda que a si mesmos.

“Aquele que filmamos tem uma idéia da coisa, mesmo que nunca tenha sido filmado. Ele a representa para si, prepara-se de acordo com o que imagina ou acredita saber dela.” (COMOLLI, 2008: 53)

Os presos “representam a si mesmos” de maneira sutil, como o ex-lutador, que sonha voltar a lutar, e que ali, nos treinos, na preparação física, mostra para quem quiser ver, que ele está se preparando para caso tenham interesse em tê-lo de volta como lutador. O momento em que ele deixa de ser “o lutador”, que talvez deixe de representar, é quando lhe é concedido o direito de passar uns dias fora da prisão e ali nós observamos a presença do homem que está preso e se emociona com a liberdade, sem máscaras.

“Ao invés de avançar, de partir decididamente para a representação, ela deve permanecer atenta, à espera do Outro, sabendo que, quando ele chegar, será preciso dispor de meios para confrontar e des-naturalizar a representação que envolve e o sufoca, que faz de seu Rosto uma máscara que o torna indiferente, indistinto, dissolvendo-o em meio aos milhares de Outros indiferenciados que povoam o espaço social.” (GUIMARÃES, 2007: 2)

Quando Guimarães destaca que são necessários “meios” para confrontar a representação, um “meio”, ou recurso, utilizado por Sacramento é exatamente a participação dos presos no documentário para aproximá-lo do que é “real” e, mais ainda, tornar o filme mais ético. O preso, ao ser filmado por outro preso, assume uma postura mais relaxada que quando é filmado por alguém da equipe de Sacramento.

“Quando se fala de ética do documentário, a principal preocupação reside justamente no fato de que o filme começa por ser um investimento de poder, dono de meios discursivos e imaginéticos que assujeitam aquele que é filmado, situado de início, em uma posição que lhe permite bem menos desenvoltura do que àquele que filma.” (GUIMARÃES, 2007: 4)

Dessa maneira, a transmissão da câmera para o preso, assume um significado muito maior que o de “co-participação” ou “co-criação”. O preso está “confortável” com o que foi criado. A responsabilidade pelo documentário não é unicamente do diretor, se torna responsabilidade de todos os presos-participantes, que quando filmados por outros presos, quando o poder da câmera e o “controle” é transmitido a eles, a mise-em-scenè documentária se retrai.

GUIMARÃES, César; LIMA, Cristiane. A ética do documentário: o Rosto e os outros. São Paulo, 2007.

COMOLLI, Jean-Louis. Aqueles que filmamos: notas sobra a mise-en-scenè documentário. In: Ver e Poder. A inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.