Há muito tempo que pretendo escrever sobre a duração,
não um ensaio, uma peça de teatro ou uma história -
a duração exige a poesia.
Quero interrogar-me num poema,
lembrar-me num poema,
afirmar e conservar num poema
o que é a duração.
A duração é algo que já tantas vezes senti,
nos prenúncios da Primavera na Fontaine Sainte-Marie,
na brisa nocturna da Porte d'Auteuil,
ao sol estival da região do Karst,
a caminho de casa, às primeiras horas da madrugada, após uma comunhão com o meu ser.
Essa duração o que foi?
Foi um espaço de tempo?
Algo de mensurável? Uma certeza?
Não, a duração foi um sentimento,
o mais fugidio de todos os sentimentos,
que passa muitas vezes mais depressa que um instante,
imprevisível, impossível de dirigir,
impalpável, imensurável.
(...)
(HANDKE.
Poema à duração. Trad. José A. Palma Caetano. Lisboa, Assírio & Alvim, 2002)