quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Poema à duração

Há muito tempo que pretendo escrever sobre a duração,
não um ensaio, uma peça de teatro ou uma história -
a duração exige a poesia.
Quero interrogar-me num poema,
lembrar-me num poema,
afirmar e conservar num poema
o que é a duração.

A duração é algo que já tantas vezes senti,
nos prenúncios da Primavera na Fontaine Sainte-Marie,
na brisa nocturna da Porte d'Auteuil,
ao sol estival da região do Karst,
a caminho de casa, às primeiras horas da madrugada, após uma comunhão com o meu ser.

Essa duração o que foi?
Foi um espaço de tempo?
Algo de mensurável? Uma certeza?
Não, a duração foi um sentimento,
o mais fugidio de todos os sentimentos,
que passa muitas vezes mais depressa que um instante,
imprevisível, impossível de dirigir,
impalpável, imensurável.
(...)

(HANDKE. Poema à duração. Trad. José A. Palma Caetano. Lisboa, Assírio & Alvim, 2002)

Um comentário:

  1. Lendo o poema e pensando nas discussões acerda da duração que tivemos em aula, fico imaginando que estamos vivendo a progressão de uma certa raridade deste elemento básico em nossas vidas, hoje povoadas e imersas principlamente pela instantaneidade e intermitência que as imagens recortadas e montadas a serviço de uma lógica de vida líquida (Bauman, 2005) e dinamismo capitalista nos sugerem.
    Se este processo continuar, logo teremos uma carência geral da duração. Talvez fiquem mais caros os relógios de ponteiro, que são mais afins da imagem do ponteiro durando a rodar. Ajustarão torneiras para gotejarem, só pra dar a sensação do tempo passando.. lentamente. e sem cortes. Sentindo esta falta, a sociedade passará a valorizar tudo que dura, tudo que é longo e que permanece participando de nossa vida por um tempo mais extenso, que consiga por isso ser mais verdadeiro e próximo, uma vez que tenha acompanhado a existência da pessoa por mais tempo. Aos pobres restarão o twitter, os elevadores, os cortes e o espetáculo.

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