quarta-feira, 16 de novembro de 2011

"Tatakox vai tirar os filhos dele de dentro da terra"

Tatakox, da Comunidade Maxakali Aldeia Nova do Pradinho é, entre os documentário indígenas que assisti recentemente, aquele que mais me desafiou. Deixe-me explicar. 

Em Tatakox, o ritual que os Maxakali propõem nos mostrar não nos é apresentado de forma didática. Não há uma explicação, seja por um dos presentes ou por um narrador, sobre o que exatamente está acontecendo ali. Somos literalmente jogados em um ritual já começado. Muito, muito barulho. A câmera, muitas vezes tremida, que percorre corpos em êxtase. A sensação de estar presente. “A potência das imagens e dos sons que lhes permite realizar uma verdadeira antropologia nativa (CAIXETA, 2008, p. 113)”. 

Assim, Tatakox, ao mesmo tempo em que se apresenta como um desafio, causando um imediato estranhamento, também nos conquista, na medida em que somos instigados por tais imagens e sons vibrantes, pela energia contida em seus personagens. Como apontado por Jean Louis Comolli, “é o espectador de cinema que deve ser colocado em crise, isto é, deslocado para fora das suas referencias habituais, em suma, ‘modificado’, por pouco que isso seja (COMOLLI, 2004, P. 157)”. 

Após leituras ligadas à questões de alteridade no documentário, é possível perceber como os índios podem ser “os outros” por excelência. Em “Boca de Lixo”, de Eduardo Coutinho, por exemplo, vemos “os outros” catadores de lixo, à margem da sociedade. Mas não podemos nos esquecer de que aqueles homens e mulheres ainda compartilham uma série de características culturais conosco. E os índios? Nós os conhecemos? Compartilhamos uma cultura? Acredito que a resposta seja não. 

Dessa forma, o fato de ser um filme sobre um ritual indígena filmado por aqueles que participam de tal ritual, ou seja, “o outro filmando a si mesmo”, contribui para esse misto de estranhamento e curiosidade. Vemos os outros produzindo suas imagens, seus próprios pontos de vista sobre sua realidade, sobre sua cultura. 
“Se nossos espectadores televisivos compulsivos e globais têm muitas dificuldade em ver e assimilar o conteúdo de uma alteridade qualquer, feita com nossa ‘linguagem’, teria ele, fora do círculo fechado dos antropólogos e cinéfilos, alguma disposição em ler e compreender a linguagem do outro? (CAIXETA, 2008, p. 110)”.
Tatakox nos chama, quer que participemos do ritual e o vejamos retirar os seus filhos de dentro da terra. É uma experiência quase sensorial. A questão é aceitar o desafio de adentrar no terreno do desconhecido. 


REFERÊNCIAS: 

COMOLLI, CAIXETA, MESQUITA. Não pensar o outro, mas pensar que o outro me pensa. Entrevista. Devires - Cinema e Humanidades, v.2. n. 1, 2004, p. 148-169. 

CAIXETA, Ruben. Cineastas indígenas e pensamento selvagem. Devires - Cinema e Humanidades, v.5. n. 2, jul/dez 2008, p. 98- 125.

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