segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Por que escrever sobre um filme?

Para inspirá-los na tarefa da escrita, um texto de César Migliorin publicado na Cinética. Lembro a todos que a data limite para postagem do ensaio (até duas laudas) aqui no blog é 29/09. Lembro ainda que essa semana não teremos aula, em virtude da Socine. Nos vemos no vinte e nove! Abraços, Cacá.
(ah, e um ps.: quem não recebeu convite para postagem no blog, me enviem um e-mail -kkmaia@gmail.com - que cuido de enviar).


Por que escrevo sobre um filme?
por César Migliorin


Escrever sobre um filme é decidir que este filme me acompanhará. Que a partir daquele momento ele fará parte de minha vida, que estabelecerei uma conexão com os pensamentos e sensações ali colocadas; que agora elas serão parte de mim para além da sala escura. E nem sempre desejo o belo e o que engrandece; por vezes o mau, o feio, o violento. Escrevendo, crio condições para que estes afetos me habitem em diálogo: com o filme, com os personagens, com o diretor. Perguntar-me porque escrevo sobre um filme é um risco. Posso concluir que não deveria fazê-lo, o que não deixará de ser uma resposta válida.  Mas, feita a pergunta, resta tentar respondê-la.
Escrever sobre um filme é perguntar; “O que pode um filme?” E normalmente eles podem mais do que umas estrelas no jornal ou um “bom”, “chato”, “revolucionário”, “niilista”, etc. Ao mesmo tempo em que dispensam porta-vozes. Não se fala em nome dos filmes, mas com eles – para além de nós, para além dos autores, para além dos filmes.
Escrevo sobre um filme porque às vezes não o entendo. As palavras se tornam uma forma de compartilhar e abrir esta não-compreensão, uma forma de investigar o entorno (meu e do filme), que faz com que um certo mistério se instaure. Certas obras são distantes demais do que conheço, do que entendo como arte e filme, e aí a obra grita: “me acompanhe, não me deixe sozinha! Se me abandonares ao sair da sala alguém dirá o que sou e eu ainda não sei o que sou, e morrerei se descobrirem. Se me derem um rótulo, se ninguém vier manter o meu estranhamento, a minha indefinição, desaparecerei muito antes de que eu possa gritar o que posso.” O que é conhecido tranquiliza, mesmo que seja violento e explícito, rude e covarde.
Escrevo sobre um filme porque ele grita: Eu posso mais!
Na escrita o corpo está em outro lugar, agindo diferente, se relacionando com o filme, como as emoções, sentidos, etc, mas não mais dominado pela luz que desfila na nossa frente sem que possamos nos mexer. Escrever sobre um filme é colocar o corpo em uma nova relação com a obra. É encontrar outros ritmos entre a obra e eu: espectador que deseja a proximidade que se dá pelo corpo. É estabelecer uma nova temporalidade entre a obra e o espectador. Na escrita, por uma questão temporal e espacial, são novos e diferentes acessos à memoria que disponibilizo.
Escrevo então porque a escrita me demanda outros ritmos, outras conexões entre eu e a obra. Se o mundo me dá a sensação de tornar-me monorítmico, o cinema e a escrita me abrem para multiplicidades de ritmos. Sem o embate com outros ritmos a escrita não existe. O ritmo da escrita já é em si uma demanda do filme de maneira diversa; o próprio ato da escrita já investiga a obra porque nos retira para um outro estado temporal em relação à obra, um outro estado do corpo. Escrevo porque desejo ser plurirítmico e a escrita é um modo de operar esta multiplicidade.
Escrever não é se colocar de um lado com o papel do outro. Escrever é se colocar entre; é uma operação espacial. Entre o papel e o mundo, entre o papel e a cultura, entre o papel e o que já existe sobre a obra, a própria obra e os universos que ela aponta. Escrever então é estar entre materialidades; o filme e o texto – por menos concretas que elas sejam. A escrita é uma maneira de operar passagens entre essas materialidades.
Escrevo porque é a forma que conheço de multiplicar – os sentidos de uma obra, suas possibilidades, seu público e quem sobre ela escreve.

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